Saturday, October 5, 2024

ENGLISH and Diversity

AULA DE INGLÊS DECOLONIAL
ANTIRRACISTA: COMO TORNAR POSSÍVEL?


Desconstruir hierarquias linguísticas e culturais, valorizando a diversidade, é um dos caminhos.

Carol Firmino
24 set. 2024

O Inglês é uma língua global e presente em vários contextos culturais, portanto, abordagens que se restringem ao ensino britânico ou americano empobrecem o processo de aprendizagem.
Foto: Getty Images

Quando imaginamos pessoas se comunicando em Inglês, um perfil muito específico costuma dominar nosso imaginário: indivíduos brancos, de países como os Estados Unidos ou a Inglaterra. Essa imagem, muitas vezes promovida pela mídia, pela cultura pop e até mesmo pelos materiais didáticos, se reflete diretamente na sala de aula. No ensino tradicional da Língua Inglesa, os elementos culturais explorados tendem a se limitar aos costumes, à literatura e ao modo de falar dessas regiões hegemônicas. Mas será que essa visão reflete a realidade de todos os falantes de Inglês do planeta?
O Inglês é uma língua global e presente em vários contextos culturais, portanto, abordagens que se restringem ao ensino britânico ou americano empobrecem o processo de aprendizagem. Além disso, ignoram-se sotaques, expressões e culturas de milhões de falantes de países da África, Ásia e Caribe.
Ana Paula Alves de Carvalho, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em História Oral e Memória (GEPHOM) da Universidade de São Paulo (USP), explica que a perspectiva decolonial – que propõe um olhar crítico para o processo colonial e a valorização dos saberes dos povos originários e de países considerados periféricos – surgiu para quebrar esses paradigmas apoiados em estereótipos. Isso porque o mais importante é o aluno entender a língua, se comunicar e interagir por meio dela.

Perspectiva decolonial e antirracista nas aulas de Inglês
Uma Educação decolonial e antirracista questiona essas hierarquias que se perpetuam e a forma como a língua é apresentada começa a mudar, rompendo com a ideia de que existem formas “corretas” ou “superiores” de falar Inglês. Nesse sentido, a inclusão de narrativas e culturas não hegemônicas são importantes para criar um ambiente educacional mais inclusivo, onde os estudantes se sintam representados e capacitados a usar a língua para se conectar com outras pessoas pelo mundo.
Fernanda Mota Pereira, professora de Inglês do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA), afirma que uma sala de aula de Língua Inglesa com tônica decolonial privilegia questões raciais e assume uma agenda antirracista. Isso requer, primeiramente, uma reflexão sobre saberes e modos de existência que foram marginalizados e o empenho em os valorizar.
A professora lembra das assimetrias sociais presentes na Educação por causa do racismo e do apagamento de pensadores negros nesse ambiente, conforme aponta a autora Lélia Gonzalez, uma das principais expoentes do pensamento feminista negro no país. “Esses silêncios têm um caráter pedagógico, ensinando que o conhecimento é prerrogativa de descendentes dos colonizadores e de quem tem o privilégio de se ver representado ou representada nos livros que estuda”, diz Fernanda. “Nas aulas de Inglês, em linhas bem generalizantes, é possível observar uma ênfase em aspectos gramaticais, em que se busca despir de questões sociais e culturais, ou uma abordagem crítica, mas que nem sempre abarca debates sobre as questões étnico-raciais.”
Ela conta que, nos espaços de formação dos educadores, é comum surgirem dúvidas sobre maneiras de abordar temáticas como racismo linguístico ou ecológico, transfobia e LGBTfobia quando os estudantes estão aprendendo uma língua estrangeira. “Há um receio legítimo de que essa aula se desvie do objetivo de formar alunos falantes. De fato, por vezes, as discussões podem diminuir o tempo dedicado ao desenvolvimento das habilidades e competências necessárias para aprender a falar, escrever e compreender a língua.”
Pensando nisso, ela sugere atividades que usem textos com temas que inspirem atitudes antirracistas e antissexistas, para [o aluno] desenvolver uma consciência sobre questões sociais enquanto aprende Inglês. A inspiração para tais atitudes começa pela escolha das produções textuais de autoria negra, em sua maioria mulheres, e que abordem problemas sociais. “Sempre considero também a necessidade de trazer uma amostragem ampla de Inglês, com variantes de diferentes países.”

Ensino de Inglês e as leis do Brasil
As leis 10.639/2003 e 11.645/2008 são marcos importantes na Educação brasileira, pois estabelecem a obrigatoriedade da inclusão da história e da cultura afro-brasileira, africana e indígena nos currículos escolares. Elas visam combater o racismo estrutural e promover uma Educação mais inclusiva e plural, reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial do Brasil.
Enquanto a Lei 10.639 tem como foco as contribuições das populações africanas e afro-brasileiras, a Lei 11.645 expande essa determinação para incluir também a história e a cultura dos povos indígenas. No entanto, apesar de a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelecer a incorporação desses princípios, Fernanda aponta que o convite para contemplar conteúdos de relevância social existe, mas não a discussão ampla que envolva reflexões e propostas de práticas antirracistas. “Essa lacuna na BNCC é um sintoma do que Abdias Nascimento [político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras brasileiras] denunciou, há décadas, sobre o mito da democracia racial. O país continua a negar o racismo, mesmo com tantas discussões que o denunciam.”
Fernanda acredita que essa atitude de não tocar no assunto ou minimizar o tema são posicionamentos comuns na sociedade e demonstram a falta de uma formação para as relações étnico-raciais. Ana Paula também considera que as políticas educacionais nesse contexto ainda são insuficientes no Brasil, pois não oferecem material didático de apoio aos professores para decolonizar o currículo. “São poucas prefeituras que produzem orientações pedagógicas com esse foco. Uma alternativa seria o Ministério da Educação (MEC) oferecer formação continuada nas plataformas digitais, além de incentivo e bolsas para professores no mestrado e no doutorado”, indica.
Não há na BNCC uma referência direta e explícita ao ensino da história e da cultura afro-brasileira, africana e indígena no componente de Língua Inglesa, o que demanda dos professores maior intencionalidade ao integrar essas perspectivas em suas práticas pedagógicas. Por outro lado, o documento reconhece que é preciso superar o “Inglês padrão” e valorizar a diversidade de usos dessa língua no mundo, posto que é falada em inúmeros contextos e com diferentes variações. A BNCC propõe que o ensino de Língua Inglesa considere a multiplicidade de sotaques, as variedades linguísticas e as diferentes culturas que utilizam a língua.
Essa é uma perspectiva que abre espaço para discutir na Educação básica o imperialismo linguístico e as hierarquias culturais que reforçam alguns modelos de Inglês em detrimento de outros. Com isso, é possível explorar o Inglês falado por povos africanos, caribenhos, asiáticos e outras comunidades que, historicamente, tiveram suas vozes marginalizadas. “O ensino decolonial e antirracista contribui para a criticidade dos alunos, que vão se conscientizando racialmente, se identificando com a cultura ancestral e valorizando as produções de conhecimento de povos subjugados, como diz o líder indígena Ailton Krenak”, destaca Ana Paula.

Vivências do Inglês decolonial

A professora Marcelia Leal, da rede pública do Maranhão, utiliza biografias de ativistas afro-americanos, brasileiros e africanos, músicas afro e jamaicanas e trechos de entrevistas e documentários em suas aulas de Inglês. Foto: Arquivo Pessoal/Marcelia Leal

Desde 2020, Marcelia Leal, professora da rede pública do Maranhão, trabalha com projetos antirracistas alinhados às aprendizagens da Língua Inglesa. “Minhas aulas são desenvolvidas a partir de materiais e estratégias que desconstroem as influências de uma Educação eurocêntrica”, enfatiza. Ela utiliza biografias de ativistas afro-americanos, brasileiros e africanos, músicas afro e jamaicanas, trechos de entrevistas e documentários que abordam o racismo, jogos de tabuleiro para fortalecer a identidade racial, palestras com representantes dos direitos humanos e visitações a espaços externos que reforcem a identidade cultural negra, entre outros recursos.
A professora cita exemplos de como usa esses materiais na prática: “Quando levo o reggae para a sala de aula, busco reforçar essa cultura, que é muito presente no Maranhão. Ao trabalhar a beleza negra, ensino adjetivos e verbos a partir da prática de listening, com uma música do jamaicano Anthony B, chamada Black and proud”, relata. “Fazemos reflexões dos aspectos que são motivo de orgulho à pessoa negra, analisamos a pronúncia e também o dialeto jamaicano, chamado “Patuá”, evidenciando que a Língua Inglesa não se resume ao Inglês americano e ao britânico.”
Além dessas sugestões, Marcelia conta que, ao fazer um estudo sobre a Jamaica, convidou um cantor e colega jamaicano, residente em São Luís (MA), para participar e dialogar com os alunos sobre a cultura, a língua e a geografia do país. “Outra atividade que eles gostam tem como base a biografia e a trajetória de Martin Luther King. Sempre levo para a sala de aula o discurso dele, I have a dream, para estudarmos o verbo to have, e finalizamos com a música Blackbird, dos Beatles [que, de maneira subjetiva, fala sobre a luta de mulheres negras contra a segregação racial nos EUA], olhando para o vocabulário.”
Neste ano, ela priorizou a temática do racismo no futebol e trabalhou a biografia do jogador Vini Jr., alvo de vários episódios de preconceito racial, em formato de mapa mental: “Estudamos ainda a história de um clube que tem uma trajetória de combate ao racismo e o seu hino. Percebendo que os alunos gostam das aulas com música, a cada mês, busco selecionar uma que possa trazer reflexão, pronúncia variada, riqueza de tempos verbais e vocabulário diversificado”, completa.
Todos esses exemplos demonstram que o ensino da Língua Inglesa pode servir de ferramenta crítica, incentivando os alunos a refletirem sobre as implicações culturais e históricas da difusão do idioma no mundo, incluindo as lutas de resistência de povos africanos e indígenas contra a dominação cultural.
Segundo Marcelia, é necessário ver a Educação como um processo que vai além da escolarização. “Ela abre portas para olhar além dos muros da escola e, nesse olhar, produzir um modo de pensar desvinculado do controle das epistemologias hegemônicas. Ou seja, [esses momentos] promovem o pensamento crítico a partir da visão ampla construída no processo de uma Educação decolonial”, conclui.

Neste ano, a professora Marcelia Leal priorizou a temática do racismo no futebol. Foto: Arquivo pessoal/Marcelia Leal

Repertórios para usar nas aulas
Confira sugestões de séries, livros, músicas e TED Talks para promover discussões críticas e inclusivas

Séries
  • Queen Sono (Prime Video): retrata uma espiã africana que luta contra a opressão neocolonial, explorando a cultura africana contemporânea.
  • Sangue e Água (Netflix): conta a história de uma jovem que tenta descobrir o paradeiro de sua irmã, sequestrada ao nascer. A história se passa em um país africano com falantes de Inglês e traz à tona elementos culturais locais.

Livros
  • Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie: o romance explora as experiências de uma mulher nigeriana nos Estados Unidos e na Nigéria, abordando questões de raça, classe e identidade.
  • Homegoing (O Caminho de Casa), de Yaa Gyasi: este livro de ficção traça a história de duas meias-irmãs africanas e suas descendências, uma vivendo como escravizada nos Estados Unidos e a outra na África. Aborda colonialismo, diáspora africana e heranças culturais.

Músicas
  • Black Parade, de Beyoncé: celebra as raízes africanas e a cultura afro-americana, com temas de empoderamento negro.
  • Fight the Power, da banda Public Enemy: clássico do rap, desafia as estruturas de poder que perpetuam o racismo e a marginalização.

TED Talks
  • The danger of a single story (O perigo de uma única história), de Chimamanda Ngozi Adichie: fala sobre o impacto de reduzir pessoas e culturas a narrativas únicas, bom ponto de partida para discutir a pluralidade cultural da Língua Inglesa.

Adaptado de: https://novaescola.org.br/conteudo/21960/aula-de-ingles-decolonial-e-antirracista. Acesso em: 03 out. 2024. Associação Nova Escola © 2024 - Todos os direitos reservados.

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