Monday, November 21, 2022

ENGLISH, Identity, Gender and Social Inclusion

PROFESSORA DA ESPERANÇA:
AULAS ANTIRRACISTAS
PARA TRANSFORMAR VIDAS


Marcélia Leal Silva leciona Inglês para as turmas de Ensino Fundamental e Ensino Médio, em São Luís, capital do Maranhão.

OBSERVATÓRIO ENSINO
DA LÍNGUA INGLESA

31 out. 2022



O relógio já marcava 20h15 quando Marcélia consegue parar as tarefas para a entrevista. A professora fala da sua casa em São Luís, no Maranhão. Enquanto a educadora pedia desculpas por ter demorado para agendar a nossa conversa, seu filho Gustavo, de oito anos, aparece falando que acaba de conseguir uma figurinha premiada no jogo. A rotina intensa faz parte do dia a dia de Marcélia. Há mais de vinte anos é assim, desde que começou a dar aulas de Inglês em escola pública.
Natural de Teresina, Marcélia Leal Silva, 50 anos, iniciou seu aprendizado com a língua em um curso preparatório de Inglês para o vestibular que a ajudou a entrar na Faculdade de Letras da Uespi (Universidade Estadual do Piauí). O ensino da língua abriu portas e transformou sua vida. Transformou também a dos alunos da Vila Esperança, bairro periférico na zona rural de São Luís do Maranhão, onde atualmente leciona Inglês para turmas do Ensino Fundamental e Ensino Médio, na escola estadual Lúcia Chaves.
Marcélia teve que aprender outras lições antes de começar a ensinar. As aulas na Faculdade de Letras foram difíceis e ela pensou em desistir. Uma de suas professoras era muito rígida, e a experiência foi desafiadora. “Muitos alunos tinham gastrite e eu achava que não iria me formar.” Mas seguiu em frente, se formou e disse a si mesma que tentaria fazer diferente. A lição da adversidade somada a outras dificuldades da vida formou a educadora que hoje ensina lições antirracistas a partir da Língua Inglesa para jovens de oito a dezessete anos.

Escola de baixo para cima
A professora é chamada pelos alunos pelo próprio nome, Marcélia, e sem formalidades. São mais de 500 adolescentes que aprendem Inglês em suas aulas todos os anos. “Eles não me chamam de professora, e eu gosto porque mostra que sou igual a eles.” A proximidade com os alunos é um dos métodos e ferramentas usados por Marcélia. “O Inglês era um bicho-papão inacessível e eu queria mudar isso.” A professora tem conseguido resultados e premiações por seus projetos inovadores de ensino bilíngue e antirracista.
Outro método que a educadora encontrou para engajar os alunos adolescentes, em sua grande maioria negros, foi a música. São Luís é a capital do reggae no país, e a cultura jamaicana faz parte da rotina dos jovens. “Sempre trabalho minhas aulas com projetos de música e principalmente com letras que falam da realidade deles.” Um dos vários projetos que Marcélia criou – cada turma e cada ano tem modelos e interações diferentes – se chama Reggae, Uma Arte da Resistência. As aulas têm canções de Bob Marley e abordagens sobre liberdade, paz e o movimento Rastafári. “Já chamei até músico local para sala de aula, e o retorno dos alunos foi excelente.”
Além da música, Marcélia aborda em suas aulas exemplos culturais com personalidades negras e pautas antirracistas. “Não quero a Lady Gaga nem a Adele; quero racializar minhas aulas.” A professora traz a cultura africana para ensinar o Inglês a partir de letras de músicas como “Free Nelson Mandela” ou ainda aborda o racismo em atividades fora da sala de aula. “Já levei os alunos para o museu do negro em São Luís e fomos assistir a filmes como Pureza e Medida provisória.” O tema escravidão, racismo e política também são assuntos trabalhados por Marcélia. “Eu sempre contextualizo tudo. Não vou ensinar Inglês com exemplo de um homem loiro comendo hambúrguer, porque isso não tem a ver com eles.”

Protagonismo a partir dos alunos
Os projetos feitos com os alunos são dinâmicos, conectados com realidade deles, e a abordagem antirracista é a base das atividades em sala de aula. O protagonismo deles é, ao mesmo tempo, uma ferramenta pedagógica e um instrumento de autoestima. Marcélia indica o tema e estimula os adolescentes a criarem os seus próprios projetos.
São inúmeras as experiências e práticas feitas pela professora com os alunos e, dentre os exemplos bem-sucedidos, destaque para a criação de um dicionário bilíngue antirracista. A atividade consistiu na organização de grupos de três alunos e no sorteio das letras do alfabeto para criação de verbetes abordando o racismo, como black ou people. Posteriormente, o dicionário foi ilustrado pelos próprios alunos e enviado a uma gráfica para ser impresso. Uma vez pronto, ainda serviu de suporte para outras aulas de Simple Present e auxiliou o estudo de orações e frases como “I like black people” ajudando no aprendizado e motivando os alunos.
Além do dicionário antirracista, Marcélia propõe diversas atividades, como tradução de músicas do reggae, criação de HQ com herói negro, análise de biografia de afro-americanos, rodízio de leituras e também estudos de dialetos de matriz africana para mostrar diferenças de pronúncia e vocabulário. Ferramentas audiovisuais, como gravação de vídeos e áudios, também complementam a cartilha antirracista do ensino do Inglês. Em todas as atividades realizadas, Marcélia aborda a perspectiva antirracista, oferecendo subsídios pedagógicos e culturais que conectem a língua, a realidade dos alunos e o racismo presente em nossa sociedade. Foram essas experiências nas aulas que acabaram trazendo um aluno de 17 anos de volta para a escola.
Fenômeno comum nas escolas públicas brasileiras, a evasão escolar é uma realidade nacional. Em regiões periféricas e marcadas pela violência, esse sintoma é ainda mais presente, e o adolescente fazia parte dessa estatística. Sua mãe foi assassinada e seu pai foi embora de casa. Criado pela tia e precisando trabalhar, a escola não era sua prioridade. Foram os amigos próximos que falaram das aulas do Ensino Médio e o convenceram a voltar a frequentar a escola. O aluno participou de um projeto nas aulas de Marcélia sobre identidade racial, se sentiu valorizado, com autoestima e retornou aos estudos.
“Ainda existem pessoas que acham que o racismo não existe. Daí eu falo: vai viver a vida desse aluno.” Marcélia comenta sobre o racismo que mata mais jovens e pretos e das diferenças existentes em nossa sociedade por causa da cor de pele. “Nossos estudantes são abordados quando andam de bicicleta e são confundidos com ladrões.” Esses temas acabam aparecendo nos projetos feitos pelos alunos, e a afirmação da própria identidade ajuda a compreender e a lutar contra o racismo.
“Outro dia fizemos uma aula com o verbo to have e utilizei o discurso de Martin Luther King. Pedi que gravassem vídeos e colocassem o sonho deles. A participação é sempre boa quando o tema tem a ver com eles.”

Pandemia, prêmios e mudança


Outros contextos de racismo e violência também são trabalhados à luz dos acontecimentos. Durante a pandemia, o caso do assassinato de George Floyd, nos EUA, em 25 de maio de 2020, também foi tema de aula. “Com o distanciamento e a dificuldade das aulas via WhatsApp, fizemos um projeto para debater o caso Floyd.” O contexto de violência policial é muito próximo dos jovens brasileiros das periferias, e o tema ajudou a aprofundar o movimento Black Lives Matter com os alunos.
Todo esse esforço de Marcélia junto aos estudantes tem proporcionado resultados e chamado a atenção da sociedade. A professora já foi indicada ao prêmio Educador Nota 10 e a escola se tornou referência na região. Marcélia recebeu menção honrosa do Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado por desenvolver ações destinadas à população negra. A escola também recebeu menção honrosa na categoria gestão escolar do 1° Prêmio Estratégias de Equidade no Enfrentamento à evasão escolar promovido pelo Instituto Unibanco em parceria com o Geledés – Instituto da Mulher Negra. Os alunos foram recebidos em novembro de 2021, durante o mês da consciência negra, pelo presidente do TJ, o desembargador Lourival Sereno, para apresentação do material produzido em sala de aula. E o reconhecimento continua. Atualmente, Marcélia está concorrendo ao prêmio Educador de Valor promovido pelo Instituto Alcoa e está entre as três finalistas no estado.
Mas o principal resultado está na transformação dos próprios alunos e pode ser vista de uma maneira muito significativa e simbólica. Está presente nas fotos e no visual dos alunos. Perguntada sobre qual é a maior mudança que sua maneira de ensinar Inglês antirracista promove, Marcélia é categórica: “Está na identidade deles”. A educadora se refere à mudança do cabelo que antes eram alisados e agora são penteados no estilo afro. “Os projetos os fizeram se enxergar e ter autoestima. Antes eles não queriam ser chamados de negros e agora querem mostrar que são pretos.” Foi essa mudança na maneira de os alunos se autodeclararem que fez Marcélia perceber o efeito de suas aulas antirracistas nos próprios estudantes. O ensino bilíngue tinha cumprido o objetivo de lutar contra o preconceito através da educação e de promover a cidadania entre os jovens.

O futuro é logo ali
Depois de mais de uma hora e meia de conversa, Marcélia continuava entusiasmada por falar sobre os projetos antirracistas. Disse estar cansada depois de 26 anos de magistério, mas isso não parece tirar sua motivação para estudar mais. Ela faz pós-graduação em Igualdade de Direitos e Identidade Racial no grupo educacional Faveni. Todos os dias, acorda às cinco horas da manhã, leva o filho Gabriel para a escola e segue para a sala de aula na Lúcia Chaves. Por volta do meio-dia, busca seu filho e volta a dar aulas em companhia dele. O esposo dela é assistente social, e quando está em viagem a trabalho não pode pegar o menino. “O Gabriel adora vir comigo, ele conversa com todo mundo.”
Gabriel é preto e Marcélia é branca. O nascimento do filho foi – e continua sendo – uma inspiração para ela. “Não quero que meu filho seja discriminado e ensino isso aos meus alunos também.” Gabriel parece aprender em casa e na escola as lições valiosas antirracistas e sua mãe fala com orgulho das buscas feitas pelo filho na internet procurando por Barack Obama e Malcom X. “Eu tenho que enxergá-lo e quero que o enxerguem também. Não quero que meu filho sofra preconceitos e sonho com um futuro no qual ele seja o que quiser; ensino que isso é possível. Eu me coloco no lugar dele. Educação é uma questão de empatia.
Além de sonhar com um futuro e uma sociedade com oportunidades iguais para todos, Marcélia tem outro sonho quando Gabriel crescer. Ela quer conhecer a Jamaica junto com a sua família. Entre os desafios de ensinar em escola pública e a correria do dia a dia, os desafios são estímulos para a professora. Que as transformações em forma de aulas antirracistas e viagens culturais que ela oferece aos seus alunos tragam o reconhecimento e a recompensa por mudar a forma de ensinar Inglês na periferia do Maranhão. A Jamaica está logo ali e logo virá.

Imagens: Felipe Silva (primeira foto) e Marcélia Leal Silva (arquivo pessoal)

Temas: Professores; Gênero e Inclusão Social; Identidade; Atividades Pedagógicas

Adaptado de: https://www.inglesnasescolas.org/experience/professora-da-esperanca-aulas-antirracistas-para-transformar-vidas/. Acesso em: 21 nov. 2022. © 2022 British Council. Observatório Ensino da Língua Inglesa. Todos os direitos reservados.

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