Saturday, February 27, 2021

HYBRID TEACHING - NOVA ESCOLA

“Não tem como implementar
ensino híbrido em aula remota”


Fernando Trevisani, professor e especialista em metodologias ativas, fala tudo que você precisa saber e ninguém te conta sobre os modelos (de atividades no ensino híbrido)

Paula Salas
25 de fevereiro de 2021

Fernando Trevisani desenvolve formações para professores sobre metodologias ativas.
Crédito: Diego Justo (Fotografia/Divulgação)

Falar de ensino híbrido é um assunto polêmico, pois levanta muitas dúvidas e mexe, indiretamente, com diferentes receios. O de retornar às aulas presenciais sem a vacina, das incertezas de como será a nova dinâmica escolar ou mesmo de como preparar as atividades com a turma que não teve acesso aos mesmos conteúdos em 2020 indo de forma escalonada para a escola. Nas discussões sobre a retomada, o ensino híbrido surge como uma possibilidade que pode contribuir com esse processo. No entanto, ainda há muito a ser desmistificado em relação às estratégias deste modelo.

Para entender de fato o que é e não cair em erros comuns, NOVA ESCOLA conversou com Fernando Trevisani, doutorando em metodologias ativas, consultor pedagógico, especialista em Educação inovadora, mestre em Tecnologias Educacionais e Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e organizador do livro Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na Educação.

Em sua teoria, o ensino híbrido é composto por modelos de atividades que integram momentos presenciais e on-line, no qual recursos digitais são utilizados para coletar dados e informações que visam a personalização do ensino. E aqui vale destacar um equívoco comum: não é possível pensar em uma implementação do modelo em uma realidade em que os alunos não estão 100% de forma presencial. “Não tem como implementar ensino híbrido em aula remota, é possível se inspirar nos modelos de ensino híbrido de modo a utilizar ideias deles no ensino remoto, mas implementar nessas realidades conforme foram originalmente pensados, não”, determina o educador. Entenda mais na entrevista na íntegra:

No seu contato com educadores para falar sobre ensino híbrido, deve ter ouvido todo tipo de questionamento ou dúvida sobre essa metodologia. O que você percebe que ainda gera muita dúvida sobre o tema e é necessário desmistificar?
FERNANDO TREVISANI: Hoje, o erro mais comum é considerar o ensino híbrido como a utilização de uma tecnologia digital para lecionar para quem está em casa e para quem está na aula presencial ao mesmo tempo. Os modelos de ensino híbrido pressupõem que existam as aulas presenciais. Se for ainda ensino remoto, a gente não pode falar de ensino híbrido. Há uma divulgação equivocada de que, por exemplo, simplesmente utilizar uma câmera em sala para transmitir a aula presencial para quem está em casa é ensino híbrido, e não é. Quando se descobre que o ensino híbrido não é transmissão de aula, há um leque de possibilidades. Também é comum esquecer que o ensino híbrido pressupõe coleta e análise de dados para personalização do ensino, uma das premissas do modelo.

Há questionamentos dos professores sobre a aplicabilidade do ensino híbrido na realidade da escola pública, uma vez que a realidade costuma implicar dificuldade de acesso à equipamentos digitais e internet na escola e também entre os alunos, em suas casas. Sabemos que é possível pensar em recursos on-line e off-line para alcançar a personalização do ensino híbrido. O que você identifica que são os pré-requisitos mínimos ou os materiais essenciais que o professor precisa ter acesso para conseguir se adequar ao ensino híbrido?
Existem contextos tão distintos que é difícil generalizar e dizer quais as ações que devem ser tomadas para garantir que o ensino híbrido seja implementado [mesmo que de forma adaptada]. Nesse sentido, o único pré-requisito que vejo e que pode ser generalizado é que o professor conheça bem o que é ensino híbrido, quais são seus modelos e como aplicá-los em sala de aula. Já vi [o ensino híbrido] sendo feito com recursos que precisam da internet, com recursos off-line que carregam dados quando estiver conectado à internet e até mesmo com WhatsApp. Também já presenciei o ensino híbrido sendo aplicado com recursos que permitem que o professor colete dados off-line, possibilitando a análise e a personalização posterior. O professor precisa se adequar à realidade que ele tem, o que não quer dizer que deve deixar de exigir melhorias, mas, enquanto ele faz isso, precisa buscar dentro das suas condições fazer o melhor possível para desenvolver aulas que visam a personalização do ensino caso queira implementar o ensino híbrido. Não falo de requisitos mínimos, mas em ver o que podemos fazer frente a nossa realidade considerando os modelos do ensino híbrido.

Sabemos que a escolha do modelo depende de cada realidade da turma, mas na sua experiência, quais são os modelos de ensino híbrido que mais se adequam à realidade da escola pública?
Não dá para falar num modelo único. Para todas as realidades brasileiras, os modelos sustentados [Sala de aula invertida, Laboratório rotacional e Rotação por estações] são os recomendados para que os professores comecem esse trabalho porque eles mantêm algumas das características já conhecidas da escola, como a divisão por salas, turmas e a abordagem curricular. A sala de aula invertida, por exemplo, pode ser o mais fácil para começar, porque o conteúdo é selecionado pelo professor antes, que faz a curadoria dos materiais e entrega para que o aluno estude em casa por meio de vídeos, textos ou qualquer outro recurso que ele consiga ter acesso e que seja de qualidade. Já durante a aula presencial, o professor utiliza atividades para construir o conceito considerando o que foi estudado anteriormente. A sala de aula invertida é um modelo com muitas possibilidades. Os alunos vão ter acesso ao conteúdo antes? Como o professor vai coletar os dados para personalizar o ensino? Será preciso ter atividades impressas? O que será feito durante a aula presencial? Não há uma resposta fechada, tem uma variedade de realidades e ideias que podem ser exploradas.

Qual é a sua opinião sobre a aplicação do ensino híbrido com os pequenos na Educação Infantil?
O foco que a Base Nacional Comum Curricular traz é que a etapa tenha um aspecto mais lúdico, voltado para a brincadeira, que a criança desenvolva as aprendizagens pela descoberta, pela experimentação e exploração. Dessa forma, a avaliação ganha um sentido diferente, único para essa fase, e o acompanhamento das aprendizagens pode ser feito de outras formas quando comparado com os outros segmentos. Como o ensino híbrido visa a coleta de dados pelo professor para a personalização do ensino, seus modelos podem nem sempre se encaixar nessa fase. Além disso, as crianças têm pouca autonomia, o que demanda mais mediação da família em tempos de ensino remoto para a realização das atividades propostas. Em um ensino em que as crianças estão voltando para a escola aos poucos, vai demandar bastante ação do professor para mediar esse acesso à tecnologia – que nem todos os alunos têm acesso. Talvez existam outras formas de desenvolver as aprendizagens características dessa fase e que sejam mais eficazes sem necessitar de uma tecnologia digital. Quem conseguirá decidir isso será o professor, considerando sempre os objetivos da aula.

Qual orientação que você daria para os gestores escolares considerando que eles terão a missão de apoiar os seus professores no desafio de se adaptar ao modelo?
Uma coisa importante é que os gestores garantam a formação continuada e promovam ações para elucidar os conceitos do ensino híbrido, inclusive buscando ajuda externa caso necessário ou indicando possibilidades de formação docente que façam sentido para as práticas que a escola deseja desenvolver. Uma vez feito isso, o gestor não pode deixar de acompanhar os professores na prática docente nos momentos de implementação de aulas no modelo de ensino híbrido. É preciso promover espaços e encontros entre os docentes para a troca de práticas. Os coordenadores e diretores devem garantir apoio de forma geral: caminhos para se adaptar à infraestrutura bem como melhorias nesse sentido (se necessário), disponibilização de recursos, organização de horários para a utilização de diferentes espaços. Será preciso estar aberto ao diálogo caso haja necessidade do professor, ouvi-lo e auxiliá-lo a pensar em novas formas e métodos de colocar o ensino em prática.

Considerando o espaço da formação continuada dos professores na escola, existem temas ou dinâmicas que você acha que seriam úteis para os gestores levarem em consideração durante este período?
Quando a formação é presencial, a minha opção sempre é fazer utilizando o próprio modelo. Se vou ensinar o modelo de rotação por estações, vale montar uma formação em que os professores vão aplicar o modelo, para que entendam na prática como isso funciona. Atualmente isso fica difícil, pois estamos em um processo de retorno ao presencial, mas ainda precisamos manter certo distanciamento, porém pensar nesse sentido é uma dica que dou para as escolas que já precisaram voltar presencialmente, ou para gestores que estão planejando o retorno dos professores e pensando em futuras formações. Claro que os gestores devem considerar outros fatores, como, por exemplo, a infraestrutura para realizar as formações, o público-alvo e o tempo de formação. Este último, por exemplo, pode inviabilizar uma estratégia diferente por parte do formador se for muito curto. Cada estratégia deve ser pensada considerando as especificidades do contexto.

Hoje uma das principais buscas entre os professores da Educação Básica, independente da etapa de ensino, é entender mais ensino híbrido e como traduzi-lo para sua realidade. Imaginando que é a primeira vez que o educador está planejando ou executando uma atividade dentro do modelo, o que ele precisa ter em mente?
Primeiro é saber o que o modelo pressupõe, quais as características principais, o que o ensino híbrido traz de pontos que podem auxiliá-lo na prática e de acordo com a realidade dele. O passo seguinte é mapear o que será necessário para que a aula ocorra dentro desse modelo. Por exemplo, na sala de aula invertida exige que o professor faça uma curadoria de materiais antes da aula para que os alunos tenham tempo hábil para estudar o que foi selecionado (filmes, podcasts, material em PDF, etc) e que eles produzam uma tarefa em casa. Para elaborar a aula presencial, ele deve se inspirar nessas produções dos alunos para desenvolver o conteúdo principal da aula, inclusive usando outras dinâmicas diferentes da aula expositiva, caso queira.
Para cada modelo de aula, o professor precisa ter em mente as características específicas do modelo escolhido para conseguir dar conta minimamente da implementação dele. No laboratório rotacional, por exemplo, os alunos são divididos em dois grupos. Um deles fica com o professor e o outro utiliza uma tecnologia digital em algum espaço da escola para aprender um conteúdo específico de maneira autônoma, depois, as turmas invertem as atividades e os espaços após determinado tempo. Dentro desse modelo, o professor precisa saber que ele vai ter que pensar uma atividade para que os alunos realizem de forma autônoma e uma segunda atividade, em que a aprendizagem acontece na companhia do professor.
Dentro do modelo de rotação por estações, é muito comum utilizarem atividades que dependam uma das outras para montar as estações. A dica aqui é que as atividades têm que ser independentes. Se as atividades exigirem uma correção da produção do em todas as estações, vai se tornar inviável para a rotina docente, pois normalmente os professores do Brasil possuem uma carga de trabalho alta. O ensino híbrido deve ajudar o docente nesse sentido, facilitando a aprendizagem dos alunos, e não o contrário. Por isso, o professor deve decidir em quais momentos pedirá a entrega de materiais para compor a avaliação. Uma dica é pensar em quais atividades terão o propósito de diagnosticar o que os alunos sabem e a partir dela planejar a personalização do ensino no decorrer da sequência de aulas. Outra coisa é que, quando estiverem montando atividades, devem lembrar-se que elas são para o aluno. Portanto, as propostas devem ser atraentes e fazer sentido para eles, e não para nós, docentes. Um vídeo que um professor acha muito bom, pode não ser tão atraente para os alunos por conta da linguagem, por exemplo, então outra dica é sempre lembrar do aluno ao planejar tarefas e que é ele quem vai fazer essas atividades.

Por ser algo novo para os educadores, ainda há muitas dúvidas e inseguranças sobre o ensino híbrido. Qual é o conselho que você daria aos colegas professores para ganhar confiança nesse tema?
Para quem está começando, de forma geral, diria para estudar bem o modelo que optou trabalhar e planejar atividades bem simples para que você sinta como os alunos aprendem dentro dessa dinâmica. É preciso entender o conceito de ensino híbrido e o que propõem cada um dos modelos. A sugestão é começar com materiais simples, que já conhece, para implementar e inovar aos poucos nos recursos e estratégias em sala de aula. Mas, desde o início, é importante usar os dados coletados como parte da avaliação das aprendizagens, modificando as aulas de sua sequência de aulas. Por fim, um bom caminho é explicar a dinâmica das aulas antes para que os alunos saibam o que é esperado deles. É válido que o professor questione o que eles acharam das atividades para reconhecer os elementos que chamam atenção dos estudantes e poder trabalhar com eles nas atividades futuras.

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