Friday, February 26, 2021

BLENDED LEARNING - NOVA ESCOLA

ENSINO HÍBRIDO:
é possível fazer sem internet e poucos recursos?


Entenda como aplicar metodologia com baixa tecnologia e conectividade limitada a partir de exemplos práticos

Ana Paula Bimbati
21.jan.2021


O ensino híbrido é uma das apostas para driblar os obstáculos impostos por um biênio escolar atingido pela pandemia. O Instituto Clayton Christensen, uma das referências no tema nos Estados Unidos, define o ensino híbrido como “um programa de Educação formal no qual um aluno aprende uma parte por meio do ensino online, com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, lugar, modo e/ou ritmo do estudo”, enquanto a outra parte do aprendizado acontece por meio do espaço físico da escola.

Quando se fala em ensino híbrido, Fernando Trevisani, pesquisador e professor da pós-graduação em Metodologias Ativas do Instituto Singularidades, explica que o online do modelo se refere ao uso de tecnologias digitais para a coleta e análise de informações pelo professor para promover a personalização do ensino. Levando em consideração a realidade das escolas públicas brasileiras, que têm pouco acesso à internet e escassos recursos tecnológicos, fica a dúvida: dá para implementar ensino híbrido sem internet? “Sim! É possível utilizar recursos que coletem esses dados sem a necessidade de internet e de forma que o professor consiga analisar a produção dos alunos visando a personalização do ensino”, explica Fernando.

Como um professor implementou ensino híbrido com pouca conectividade

Antes mesmo da pandemia do coronavírus se instaurar no Brasil e no mundo, o professor de História Ailton Luiz Camargo, da Escola Municipal Zilma Thibes Mello, em Iperó (SP), já experimentava a metodologia de ensino híbrido com a sua turma do Fundamental 2. “No começo das minhas experimentações, a gente tinha um laboratório com internet, mas com o tempo nós perdemos esses aparelhos e eu fui me adaptando a essa nova realidade”, relembra.

Um caminho indicado por Débora Garofalo, gestora de tecnologia e inovação na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e professora com trabalhos renomados de robótica com sucata, é o método byod (bring your own device, em tradução para o português traga o seu próprio aparelho) como uma das possibilidades. Ailton já é adepto do movimento. Em alguns momentos, o professor de História levou seu próprio notebook para usar com o wi-fi da escola e também usou os celulares dos alunos para colaborar com a atividade. Além disso, ele já distribuiu pen drives para os alunos com formulários e tabelas em arquivo de Word para que eles pudessem preencher em casa.

Uma das atividades que Ailton desenvolveu com os alunos com baixa tecnologia foi um projeto sobre violência. “A partir da avaliação diagnóstica no início do ano de 2019 e observação das brincadeiras entre eles, percebi que eram muito violentos. Então desenvolvi atividades relacionadas e uma delas era no modelo de rotação por estação”, conta. A ideia era que cada estação tivesse um meio de comunicação retratando o tema. O professor organizou uma estação com fotografias, outra com recortes de jornal, uma com textos que contextualizavam o assunto e a quarta com seu notebook exibia o clipe da música “Eu só quero é ser feliz”, um rap dos anos 1990, que tem como tema a violência e falta de tranquilidade das favelas brasileiras.

Os alunos precisavam responder em uma folha, dada previamente, como enxergavam a violência sendo retratada em cada meio de comunicação que analisaram e discutiram ao rotacionar pelas estações. A partir dos dados obtidos com o desenvolvimento da aula, Ailton personalizou as atividades seguintes do projeto. “Pensando no atual contexto, é possível enviar pelo WhatsApp, que não gasta tanta internet, ou até mesmo por pen drive para os alunos”, sugere.

Para levar em conta na hora de planejar o ensino híbrido na escola pública

1. Professor passa a colocar o aluno no centro
Débora explica que mais do que ter ou não uma conectividade para implementação do ensino híbrido, é essencial que o professor passe a colocar o aluno no centro e esteja no papel de mediação da aprendizagem. “Só ter internet não garante esse protagonismo do estudante”, pontua

2. Entenda a realidade do aluno
Muitas redes de ensino e escolas já fizeram um mapeamento desde o início da pandemia sobre a realidade e acesso de cada aluno. Levantamentos como esse sobre a turma são úteis para que as estratégias sejam coerentes com os recursos disponíveis. “Fazer um balanço do que deu certo e não deu também ajuda no planejamento”, sugere Débora.

3. Falta de internet não é único entrave
Como a diversidade de realidade das escolas públicas brasileiras é grande, Harley Sato, professor de Física no Ensino Médio e doutorando em formação de professores na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), alerta para o desafio além da internet. “O gargalo não está só na conexão, mas na dificuldade de acesso à aparelhos pelos aluno. Muitos não têm notebook, ou usam o celular emprestado dos pais e irmãos”.

4. Criatividade e empenho não exime responsabilidade dos governos
Com o avanço da pandemia, professores e gestores se reinventaram cada dia mais para garantir a aprendizagem de seus alunos. Mas, além da criatividade de quem está no chão da sala de aula, especialistas alertam que as secretarias de Educação necessitam desenhar estratégias de políticas públicas educacionais que dialoguem com os desafios do momento. “O empenho do professor não exime o papel dos governos de fazer uma formação efetiva para que os professores se sintam mais preparados, por exemplo”, indica Débora.


Com ou sem internet, o foco do ensino híbrido é na personalização do ensino. Por isso, Fernando explica que “qualquer prática que não utilize uma tecnologia digital com o objetivo de coletar dados para promover a personalização não pode ser considerada ensino híbrido”. Mas o que significa personalizar o ensino? Débora conta que a metodologia se refere a respeitar os ritmos de aprendizagem e a potencializar as habilidades que cada aluno têm. Para salas com mais de 40 ou 50 estudantes, a prática enfrenta mais dificuldades, já que a análise dos dados para personalização leva mais tempo.

Formação de professores é essencial nesse processo!

Com a falta de recursos e baixa internet, ampliar a formação de professores é um dos pontos importantes para a implementação do ensino híbrido. Para isso, Débora Garofalo sugere que as redes de ensino considerem as necessidades dos educadores dentro do tema. Uma dica prática é levar para as formações uma experiência real de ensino híbrido. “Vivendo na prática o modelo [homologia de processos], o professor pode entender como funciona e saber que consegue aplicar com sua turma”.


Mais dicas práticas para pouca internet ou baixa tecnologia

Ailton também indica práticas criativas de ensino híbrido sem uso da internet, como usar o PPT (slides) para criação de jogos. Vale também usar equipamentos como televisão, projetor, câmeras fotográficas e celulares, ou ferramentas como o pacote office ou Google Drive. Débora sugere que os professores invistam também na cultura maker, sala de aula invertida (usando os materiais citados acima) e no método byod. Para isso, é importante conhecer o acesso e dispositivos de seus alunos para entender programas que não necessitam de internet ou que funcionam com baixa velocidade. “Utilizar o que tem em mãos e disponível na realidade de cada professor traz inúmeras possibilidades”, afirma. No site de NOVA ESCOLA, Débora compartilhou sua experiência sobre o Scratch, uma forma de ensinar programação para seus alunos e de maneira off-line. Confira aqui.

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