Wednesday, February 3, 2021

ACTIVE LEARNING METHODOLOGIES

Metodologia de projetos favorece o uso autêntico da língua e empodera os alunos


Nas diferentes etapas do trabalho e na interação com os colegas, os estudantes exercitam as habilidades de compreensão oral, leitura, escrita e conversação de maneira natural e significativa.

Redação
02/02/2021


Como toda metodologia ativa, a aprendizagem por projetos traz o aluno para o centro do processo de construção do conhecimento e aumenta a motivação, o engajamento e a interação entre os estudantes. Essa abordagem por projetos se caracteriza pelo desenvolvimento de um trabalho em grupo de longo prazo, que se estende por algumas aulas, e a apresentação de um produto final, que pode ter diversos formatos, como um pôster, um livreto, uma peça de teatro ou um e-book.
Ao aliar essa metodologia ao ensino da língua inglesa, os estudantes exercitam diferentes habilidades, como a compreensão oral e de leitura e a produção escrita e verbal. “Isso traz relevância para a língua, favorece o seu uso mais genuíno e não apenas a reprodução mecânica”, diz Leticia Moraes, bacharel em Letras (Inglês) e em Jornalismo, que atua no ensino da língua inglesa há mais de 15 anos e tem se dedicado atualmente, entre outros temas, à metodologia de projetos e formação de professores.
Nesta entrevista, ela fala das vantagens e desafios dessa abordagem e como ela pode ser implementada e avaliada, incluindo o contexto da rede pública. A especialista também comenta sobre as especificidades do trabalho com adolescentes e do papel do professor como um gerente de projetos, o que exige uma mudança de mentalidade. Confira a íntegra da conversa:

Como a metodologia de projetos contribui para o ensino da língua inglesa?
De diferentes formas, pois um projeto é muito mais do que apenas o seu produto final. Ele é todo o processo, ou seja, a realização da pesquisa, a seleção das informações, a organização das etapas do trabalho, a interação entre os estudantes, a execução, a apresentação. Ao trabalhar com esse tipo de projeto, você consegue integrar as diversas habilidades da língua de uma maneira muito natural e genuína, pois os estudantes vão precisar tanto da compreensão oral e de leitura, como da produção escrita e oral. Isso favorece o uso mais autêntico da língua e não apenas a reprodução mecânica. É algo muito mais rico e empodera o aluno. Ele se torna mais apto a usar a língua do que fazer, por exemplo, uma lista de exercícios.

Poderia dar um exemplo prático desse uso genuíno do idioma?
Sim. Vamos pensar que o produto final de um projeto é um pôster sobre inclusão de alunos com necessidades especiais. Cada grupo trata sobre uma questão — alunos cegos, surdos, com síndrome de down etc. –, mas todos falariam sobre o que um estudante com determinada deficiência consegue ou não fazer para mostrar para os outros estudantes como eles poderiam ajudá-los. Então, nesse caso, trabalhar verbos modais poderia ser muito útil. Por exemplo, como eles podem usar o “can” para falar das habilidades desses alunos e o “should” para fazer recomendações para os outros alunos de como auxiliá-los. Esse tipo de abordagem traz muita relevância para a língua, porque os alunos veem a real necessidade daquela estrutura ou vocabulário. E isso pode ser trabalhado antes ou durante o projeto.

Como um professor pode começar a trabalhar com metodologia de projetos? O que ele precisa saber e fazer para isso?
Esse trabalho é muito flexível e pode acontecer de diferentes maneiras. Há desde projetos mais estruturados, em que o professor toma todas ou a maior parte das decisões; os semiestruturados, com as decisões compartilhadas; até os não-estruturados, em que os alunos têm mais autonomia. Os estudantes podem escolher um tema que consideram relevante ou esse assunto pode emergir de uma necessidade — por exemplo, se aconteceu um caso de bullying na escola e então se resolve fazer uma campanha de conscientização sobre esse tema. É possível ir implementando aos poucos essa metodologia para os alunos se familiarizarem com o processo, os pais entenderem do que se trata e a direção da escola compreender também, principalmente em contextos em que não se utiliza metodologias ativas. E começar com projetos mais estruturados e avançar para menos estruturados, conforme todos os envolvidos forem se sentindo mais à vontade e confiantes.

Você tem atuado mais recentemente na área de ensino de inglês para adolescentes. Quais os maiores desafios nessa faixa etária e como a metodologia por projetos pode ajudar a superá-los?
O adolescente quer muito ser ouvido. Quando ele trabalha com projeto, ele tem essa oportunidade de ser ouvido genuinamente. Muitas das questões que acontecem em sala de aula em relação à disciplina ou falta de envolvimento têm a ver com essa necessidade de escuta. Quando isso não acontece, eles se ressentem e se fecham. Ao trabalhar com projetos, você abre essa porta para eles se expressarem [veja artigo ‘Integrating projects into teenage classes']. Mas precisamos nos lembrar que os adolescentes também têm muita dificuldade para se organizar. E, no projeto, o professor não está na frente da sala de aula, com tudo girando em torno dele. Então, o seu papel na orientação, no direcionamento e para ajudar a refletir sobre as questões é fundamental. Mas nunca como imposição.
 
Quais as principais dificuldades para os professores trabalharem com a metodologia de projetos?
Uma das principais dificuldades é que esse tipo de trabalho demanda tempo e, na prática, não é sempre que o professor tem todo esse tempo para se dedicar. Se o tempo for uma questão, o professor pode começar com projetos menos ambiciosos, que podem ser desenvolvidos em duas ou três aulas. Outro ponto é a organização desse tempo. Na metodologia de projetos, o professor tem o papel de gerente de projetos, como o gestor de uma empresa mesmo. E ele não está acostumado a fazer isso, então é um grande desafio.
Uma vez que o professor consegue se ver nesse papel, isso ajuda nas decisões. Ele precisa pensar qual será o cronograma, quantas aulas serão necessárias, como dividirá o projeto nessas aulas, quanto tempo os alunos terão para pesquisar, como ele poderá ajudá-los na pesquisa, quando precisará ter o produto final pronto, como será a apresentação etc. Todas essas são decisões de gerenciamento de projetos. Elas não precisam ser tomadas só pelo professor, podem ser compartilhadas com os alunos, mas você tem um líder de projeto aí. Não é ele quem vai fazer tudo, mas vai ser o responsável pela organização do trabalho. Essa é a mudança de mentalidade — do provedor de conteúdos que está no controle de tudo para o orientador e gestor de projetos — que o professor precisa ter.
Outro desafio ainda é envolver os alunos, que podem ficar um pouco desconfortáveis no início porque nunca tiveram a experiência com metodologias ativas. Quando são chamados a participar do próprio aprendizado, eles não sabem muito bem o que fazer, pois nunca passaram por isso.

Por sair de um formato tradicional, é comum haver resistência das famílias e da própria escola à metodologia de projetos?
Sim e depende do grau de estruturação, do tempo que o projeto vai demandar e se vai ser só um projeto ou mais. Como ele pode envolver outras disciplinas, pode até haver resistência dos outros professores, que não estão prontos para esse trabalho. Da parte dos pais, eles podem pensar que, como foram ensinados de maneira mais tradicional, é aquele jeito que funciona e, portanto, é assim que o seu filho deve aprender. Por isso, é um processo de educação dos pais também. Já a direção, como ela tem que fazer o meio de campo com as famílias, é ela quem ouve as eventuais reclamações dos pais. A direção também considera outras questões além das pedagógicas — se vai atrapalhar a aula, como vai ficar a prova etc. As escolas têm uma estrutura razoavelmente rígida e um planejamento anual que acaba dificultando essas mudanças e inovações. Por isso, pode ser mais realista começar aos poucos a usar essa metodologia. Aí o professor começa a ter alguns resultados para mostrar os benefícios dos projetos para vencer essa resistência. Quando os pais e a direção veem os resultados, é muito recompensador. O projeto é uma maneira de tangibilizar o aprendizado. Você está vendo de uma forma muito clara e concreta o que o aluno consegue fazer. Isso é muito bonito e enche os olhos dos pais e da direção.

E em relação à avaliação? Como esses projetos podem ser avaliados e quais critérios usar?
Como o projeto é um processo, uma prova não é capaz de avaliar tudo o que foi desenvolvido ao longo dele. Nesse sentido, você não pode fazer uma avaliação única e nem considerar apenas o produto final — seria absolutamente injusto. Então, o professor pode dividir o projeto em partes — a organização dos alunos, como eles interagiram, como foi o processo de pesquisa, a seleção de conteúdos e a apresentação — e fazer a avaliação escrita e a oral. Se o produto final tem algo escrito, seja o script de um áudio ou de uma peça de teatro ou mesmo um texto que vai aparecer, ele vai ter um rascunho, a revisão desse rascunho e o processo até chegar no produto final. O professor tem um trabalho ali para avaliar. A mesma coisa vale em relação à parte oral. O aluno vai se preparar para a apresentação, ele vai estar ali falando. Ou seja, esse processo é riquíssimo e precisa ser considerado na avaliação. Além disso, a avaliação não é necessariamente só do professor. O projeto permite trabalhar com autoavaliação e avaliação pelos pares.

No desenvolvimento de um projeto, como trabalhar a parte oral da língua inglesa nessas diferentes fases do trabalho?
O projeto precisa do trabalho com a língua conforme ele vai sendo desenvolvido, para proporcionar a interação em inglês. O uso do português em alguns momentos não é um problema. O importante é garantir que o aluno produza oralmente algumas coisas em inglês, mesmo que não seja tudo. E, principalmente, pensando nos alunos com um pouco mais de dificuldade, o professor precisa dar um suporte. Pode ser uma antecipação do tipo de conteúdo e estrutura da língua que ele vai precisar, por exemplo, o que chamamos de “language for the task”, que é a língua que o aluno vai necessitar para fazer aquela tarefa. E o professor pode colocar estruturas na lousa para o aluno preencher — por exemplo, “I think… is the best solution”. Faz parte do planejamento do professor pensar nisso, no conteúdo de língua que os alunos vão precisar para a tarefa. Também é importante encorajá-los a usar a língua inglesa sempre que possível.

Como atribuir uma nota para algo tão complexo?
A avaliação de um projeto não pode ser na base do certo ou errado. Ele tem que ser avaliado usando aquelas escalas — excelente, muito bom, bom, satisfatório, precisa melhorar. É preferível usar conceitos a números, que são bem limitantes. Assim, dividir o projeto em vários momentos e trabalhar com essas escalas e conceitos é um jeito de dar uma nota sem desconsiderar todo o processo e não ficar amarrado a um número.
Também é importante ter sistematizado o que será considerado em cada etapa e deixar isso bem claro para os alunos. Por exemplo, na apresentação, leva-se em conta a aparência, o formato e o impacto do trabalho. No conteúdo, a informação selecionada, a relevância, se faltou algo importante. Um aspecto interessante, que enfrentei muito, é que, às vezes, o professor faz toda uma reflexão, desenvolve o projeto, dá feedback sobre os pontos fortes e fracos, trabalha com autoavaliação e avaliação de pares e, ao final disso tudo, o aluno pergunta: “mas qual foi a minha nota?”. Vivemos no Brasil uma cultura muito baseada na nota. O aluno, a direção, os pais, todos querem a nota. Foi isso também que me motivou a estudar como fazer uma avaliação que contemple todo o processo e ainda gere um conceito [veja artigo ‘A framework to assess teenage learners’ performance via project work'].

Como possibilitar o trabalho e a avaliação por projetos em situações mais desafiadoras — nas escolas públicas, por exemplo, que costumam ter muitos alunos por sala de aula?
Quando falamos de turmas grandes, precisamos pensar em dividir esses alunos em grupos menores. Isso já vai facilitar o processo. O ideal são grupos de quatro a cinco alunos, para permitir uma melhor divisão das tarefas e que todos trabalhem. Em uma classe com 30 alunos, por exemplo, poderiam ser seis grupos de cinco pessoas.
Se considerarmos que o papel do professor é outro, que ele tem uma função mais de guiar o aluno, ele vai poder diluir todo o processo de avaliação ao longo do projeto. Um aspecto interessante é que depois ele não vai ter 30 provas para corrigir. Ele vai ter 30 alunos para olhar, mas ele sempre tem 30 alunos para olhar — principalmente professor de língua, que tem que acompanhar continuamente a produção do estudante. A ideia é quando chegar na apresentação, ele vai avaliar só isso, porque todo o processo ele já fez antes, em cada uma das etapas.

A avaliação é feita individualmente ou do grupo como um todo?
A avaliação e a nota podem ter componentes individuais e componentes do grupo. Isso depende do tipo de projeto desenvolvido, mas pode ser uma nota comum para o grupo, sim. Porque é um trabalho em conjunto. Por isso que a autoavaliação e a avaliação por pares são importantes. Isso passa por um questionamento dos alunos no sentido de refletir sobre como foi a sua contribuição, se todos do grupo trabalharam e até mesmo do que precisam, como mais tempo ou mais suporte em termos de língua, para um melhor aproveitamento. A ideia é que o projeto não fique fechado nele mesmo, mas que gere entendimentos e descobertas que vão abrir possibilidades de melhoria, não só para os projetos seguintes, mas também para as aulas mais tradicionais.
Outro ponto é que trabalhar com projetos não significa que todo mundo do grupo vai fazer a mesma coisa. Você vai trabalhar com os talentos de cada um de maneiras diferentes. Se alguém desenha super bem, o desenho do pôster pode ser desse aluno. Se outro estudante escreve muito bem, o texto pode ser dele. A ideia é que todo mundo contribua nas diferentes tarefas e tenha diferentes responsabilidades.

Isso significa que a metodologia de projetos favorece o trabalho com classes heterogêneas em relação ao nível de conhecimento e domínio da língua?
Favorece muito, justamente porque você não tem a expectativa de que todo mundo vai fazer a mesma coisa. O professor pode lidar com o desenvolvimento de cada aluno de um jeito diferente. Se um estudante tem um pouco mais de dificuldade na escrita, ele pode fazer o primeiro rascunho, frases, por exemplo. Outro que tem mais facilidade faz a segunda versão. É possível trabalhar dentro das possibilidades de cada aluno, personalizando o que cada um vai fazer.

Leticia Moraes é bacharel em Letras (Inglês) e em Jornalismo, com especialização em ensino a distância, atua no ensino da língua inglesa há mais de 15 anos, com diversas certificações na área, como ICELT e DELTA pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e TESOL pela Universidade de Anaheim, nos Estados Unidos.
Nos últimos anos, tem trabalhado no desenvolvimento de cursos de inglês e na formação de professores e, mais recentemente, se dedicado ao ensino de inglês para adolescentes e à metodologia de projetos, entre outros temas. Também é palestrante, autora de artigos publicados em newsletters especializadas na área de inglês no Brasil e no exterior e coordenadora de eventos do SIG de Young Learners e Teens do International Association of Teachers of English as a Foreign Language (IATEFL).


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